Eu juro
Olhe, não fique assim não, eu sei como dói, é horrível. Eu sei que parece que você não vai aguentar, mas aguenta. Sei que parece que vai explodir, mas não explode. Sei que dá vontade de abrir um zíper nas costas e sair do corpo porque a gente, nesse momento, não é um bom lugar pra se estar.
Dor é assim mesmo, arde, depois passa. Aliás, a vida é assim: arde, depois passa. A gente acha que não vai aguentar as dores da vida.
Pense assim: agora ta insuportável, agora você queria abrir o zíper, sair do corpo, virar qualquer coisa inanimada, anestesiada, silenciosa. Mas agora já passou. Agora já são segundos depois da frase passada e sua dor já é segundos menor do que a de duas linhas atrás.
Você acha que não porque esperar a dor passar é como olhar um transatlântico no horizonte estando na praia. Ele parece parado, mas aí você desvia o olho, toma um picolé, lê uma revista, dá um pulo no mar e quando vai ver o barco já tá lá longe.
A sua dor agora, essa fogueira na sua barriga, esse chumbo na garganta, essa sensação de que pegaram sua traqueia e seu estômago e torceram como uma toalha molhada, isso tudo – é difícil de acreditar, eu sei – vai virar só uma memória, um pequeno ponto negro diluído num imenso mar de memórias. Levante-se daí, vá tomar um picolé, ler uma revista, dar um pulo no mar. Quando você for ver, passou.
Agora não dá mesmo pra ser feliz. É impossível. Mas quem disse que a gente deve ser feliz sempre? Isso é bobagem. Como cantou Vinícius: “É melhor viver do que ser feliz.” Porque pra viver de verdade a gente tem que quebrar a cara. Tem que tentar e não conseguir. Acha que vai dar e ver que não deu. Querer muito e não alcançar. Ter e perder.
Tem que ter coragem de olhar no fundo dos olhos de alguém que a gente ama e dizer uma coisa terrível, mas tem que ser dita. Tem que ter coragem de olhar no fundo dos olhos de alguém que a gente ama e ouvir uma coisa terrível, que tem que ser ouvida. A vida é incontornável. A gente perde, leva porrada, é passado pra trás, cai. Dói, ai, eu sei como dói. Mas passa.
Tá vendo a felicidade ali na frente? Não, você não tá vendo, porque tem uma montanha de dor na frente. Continue andando. Você vai subir, vai sentir frio lá em cima, cansaço. Vai querer desistir, mas não vai desistir, porque você é forte e porque depois do topo a montanha começa a diminuir e o único jeito de deixá-la pra trás é continuar andando. Você vai ser feliz.
Tá vendo essa dor que agora samba no seu peito de salto agulha? Você ainda vai olhá-la no fundo dos olhos e rir da cara dele. Juro que to falando a verdade. Eu não minto. Vai passar.
— Antônio Prata
“Eu juro”, crônica de Antônio Prata. Livro: Adulterado. São Paulo: Moderna, 2009 p. 113-115.