Última forma antes do vento
Já não há palavra.
Ela apodreceu na raiz da garganta,
como fruta que nunca soube do verão.
Um vulto arrasta-se no limiar do nome,
mas já não se reconhece sequer sombra.
Aquilo que um dia foi vontade,
agora treme nas margens do real,
pedindo, desesperadamente, abrigo ao esquecimento.
Mas o esquecimento é frio demais para acolher.
Rostos desmancham-se em memórias
que ninguém herdou.
E os espelhos recusam
qualquer traço de identidade.
Tudo que pulsa,
pulsa por inércia.
Tudo que sonha,
é apenas o sonho de uma matéria que sofre.
O tempo desistiu de contar.
Os ponteiros do relógio
dançam sobre um túmulo
onde jamais se enterrará coisa alguma.
E, dentro de mim,
uma última lucidez acende-se
em forma de brasa esquecida
na lareira de um mundo que morreu antes de nascer.
Não há mais corpo.
Não há mais voz.
Só sobrou um resquício do que não volta mais.
E é ali,
nesse ponto cego da existência,
que me dissolvo
no que nunca fui.
— Antônio Reis