Eu não sinto, já estou morto, só que ainda não me enterraram
Não quero pensar, contudo não consigo parar. Penso em tudo, em como esse tudo se torna nada e em nada penso. Mas pensar em nada é pensar em algo e eu não quero pensar. Fecho os olhos para não fazê-lo, fechando as cortinas.
Não quero saber o que se passa lá fora, se o sol sai ou se oculta. Se na rua passa gente ou ratos; não há diferença. Só é apenas uma contínua rotina, dormir, acordar. A maldita, obstinada e vazia rotina de viver.
O ânimo me abandona, me custa levantar um dedo, não obstante ordeno-o, mas meu corpo já não tem vontade. Ou será a vontade que esqueceu meu corpo? Ainda sinto-o, e dói, me tortura cada partícula. E é o único que noto, porque já não percebo nada dentro.
Carrego um vazio interno, meu amigo íntimo é um buraco coberto por uma martirizante concha gelada que envolvo em roupa suja. Não tenho força para levantar meu corpo. Como, se está desocupado? Me pesa como uma condenação, nada move-o, já não sinto fome, vontades, cheiros, só é pele, carne e ossos.
Não sei para que se vive, não há um porquê. Me pedem que eu sacuda-o, que lave-o, que guie-o a ver a vida, mas os que me falam não sabem olhar, não compreendem nada, nem nada quero que compreendam. De igual forma dizem que devo buscar dentro. Já o fiz, e ausência encontrei.
Me falam de fé em Deus, que a Ele me sujeite. Creio que deve ser como meu interior, não posso vê-lo, não existe. Me abandonou deixando-me apenas ossos. Já a nada me apego. Insistem que devo respeitar a vida que me foi dada. Como fazê-lo, se só tem vida minha carne e esta unicamente me dá dor? Então se ele me a deu, a ele a devolvo, que a leve, não a necessito.
Esperança? Sim, algo espero e é a morte deste corpo. Que venha logo; eu tirarei as últimas forças que me restam para abraçá-la e deixar de um lado essa sensação de que tudo é um sonho, no qual nada penso. Não há realidade mais real, nem certeza mais certa que a morte.
Não te deixes vencer! Mas rendido estou, esquecido também. Em tudo eu fracassei e para mim o tudo é nada e isso é pior, porque o fracasso depende de algo e eu não tenho nada, não sou nada, e se eu o sou, me cansei de ser amargura, que só isso sou. Ninguém me faz falta e a ninguém faço falta eu. Não haveria diferença se um dia desaparece debaixo da terra meu corpo. Simplesmente seria pele, carne e ossos.
Não sente medo da morte? Me perguntam. Eu não sinto, já estou morto, só que ainda não me enterraram.